A ferrovia em Itapetininga, contribuições sobre um legado

Resumo

Na virada do século XIX, a Estrada de Ferro Sorocabana foi o principal elemento de transição econômica da cidade de Itapetininga, de posto de invernagem (engorda de animais) à atividade algodoeira e têxtil. Assim, pelo município passaram os trilhos do Ramal de Itararé, o único ramal que ligava os caminhos de ferro da federação com os estados do Sul. E é sobre este diálogo, entre o trem e a cidade que esta pesquisa se insere, ao estudar o patrimônio ferroviário da cidade, identificando a influência da Estrada de Ferro Sorocabana sobre o desenvolvimento urbano de Itapetininga, de forma a explicitar se houve relação desta ferrovia com este território. Ao mesmo tempo, a pesquisa busca identificar elementos materiais remanescentes a este ciclo ferroviário de modo a oferecer subsídios para a construção de uma política de preservação do patrimônio cultural da cidade.

A dissertação de mestrado foi realizada pela Universidade Federal do Grande ABC, no programa de pós-graduação em Planejamento e Gestão do Território, sob supervisão da Prof.a Dr.a Silvia Helena Facciolla Passarelli (uma das pioneiras no estudo das ferrovias, no qual suas principais pesquisas são sobre a influência da ferrovia na formação da cidade de Santo André, bem como sobre a vila de Paranapiacaba – uma das mais importantes vilas ferroviárias do Brasil).

Ao todo o trabalho se dividiu em 3 capítulos:

Capítulo 1 – O trem de ferro tem por objetivo apresentar e contextualizar a formação das estradas de ferro no Brasil através da revisão bibliográfica, ao olhar o Estado de São Paulo, com ênfase na Estrada de Ferro Sorocabana, responsável pela implantação do ramal que atingiu a região de Itapetininga, de modo a observar os processos interurbanos, como a formação das redes no interior do Estado e as posteriores relações com o modal rodoviário e a consolidação das indústrias, responsáveis pelo atual território. Entende-se que este panorama histórico fornecerá subsídios para o entendimento da escala interurbana e regional, para atingir parte dos objetivos da pesquisa.

No Capítulo 2 – O trem na cidade, a dissertação se dedica ao legado da construção intraurbana de Itapetininga através da história da Estrada de Ferro Sorocabana e do Ramal de Itararé. A metodologia se pautou na análise de documentos textuais, fotografias, mapas e livros dos acervos históricos do município para descrever o processo de expansão urbana da cidade e sua relação com a ferrovia. Entende-se que este processo promoverá os subsídios necessários para entender o papel da ferrovia na formação da cidade.

O Capítulo 3 – A cidade no trem discorre sobre a dinâmica do legado material remanescente. Este capítulo promove o mapeamento dos bens móveis e imóveis existentes na cidade de Itapetininga. Posteriormente, se debruça sobre o estado de conservação e atuais funções destes edifícios, de modo que os analisa, mapeia e identifica para um olhar amplo do conjunto no seu todo atual. Esta etapa se fez importante para compreender qual é o remanescente do patrimônio ferroviário na cidade e seu estado de conservação.

Ao longo da pesquisa pode se observar que as ferrovias tiveram papel importante no processo de transformação da economia paulista, contribuindo com o desenvolvimento econômico e no crescimento territorial das cidades, principalmente a partir das primeiras décadas do século XX, período de maior expansão do modal no país. Uma rede de caminhos férreos, por vezes alheia às dinâmicas sociais dos pequenos municípios como Itapetininga, mas que impactou profundamente as práticas políticas e o cotidiano dos cidadãos. Dessa forma, as ferrovias marcaram o início de uma nova era e uma nova maneira de compreender o tempo e o espaço. À sua força e velocidade se contrapuseram a estagnação de costumes dos séculos anteriores e os caminhos de ferro foram se multiplicando em linhas e ramais, a fim de atender a demanda cada vez maior de transporte de passageiros e mercadorias.

Na cidade de Itapetininga e região, até meados do século XX, a presença do trem era uma importante referência para a cidade: a estação, local de chegadas e partidas, se tornou polo centralizador de comércio, articulando Itapetininga com as cidades da Região Sul do país. Em conjunto da industrialização, a Sorocabana fortaleceu o papel de entreposto comercial que a cidade do século XIX apresentava e potencializou seu sistema comercial a partir da facilidade de acesso à outras partes do Estado e, portanto, outros mercados consumidores.

Com os trilhos de ferro fazendo parte do cotidiano do município, pode-se creditar às estradas de ferro o seu crescimento urbano, por sua influência como principal meio de comunicação, principalmente, entre 1895 até meados de 1930. Além disso, a ferrovia não só alterou os vetores de desenvolvimento econômico de Itapetininga, mas também exigiu a melhoria de sua infraestrutura interna, e introduziu novos equipamentos por onde seus trilhos se estabeleceram, atribuindo uma nova fisionomia na paisagem urbana itapetiningana. Estes valores imateriais foram de forte influência em seus costumes e crenças e, são questões simbólicas, ideológicas e identitárias na diversidade da memória urbana local.

Por outro lado, como anteriormente dito no contexto geral das ferrovias do país, o mesmo movimento que contribuiu para a criação de uma nova realidade econômica e urbana para Itapetininga - a partir do investimento nos trens - foi, aos poucos, sucumbindo pelo mesmo movimento que, agora, se aliciava em função dos carros. Assim, no cenário atual de Itapetininga, convive-se com o distanciamento do transporte ferroviário do cotidiano da cidade, diante da ausência do transporte de passageiros, onde a estação não é mais o polo centralizador de pessoas e mercadorias na cidade.

Isso se confirma no mapeamento elaborado, onde parte das estruturas que foram implantadas com a chegada dos trilhos permanece na paisagem urbana de Itapetininga, entretanto, em grande parte, suscetível ao abandono e a usos que não contribuem para a ativação do legado ferroviária como sendo integrante da memória urbana do município. Observando os demais remanescentes ferroviários, em sua grande maioria, encontram-se em avançado estado de abandono ou arruinamento. Entende-se que para o poder público municipal, a ferrovia estagna e atrapalha a cidade a se desenvolver, tornando-se, assim, símbolo de um sistema de transporte deficitário, antieconômico, inerente ao seu futuro desenvolvimento.

Essa situação coloca à mostra, também, a falta de interesse na salvaguarda da memória e do patrimônio ferroviário frente às expectativas de planejamento da cidade por parte do poder público. O caso da estação é uma pequena exceção ao se observar os benefícios sociais que o uso do imóvel traz, bem como a manutenção de uma pequena vitrine expondo a história do lugar. Por tanto, o legado da ferrovia em Itapetininga em suas imbrincadas relações com o cotidiano dos cidadãos, só poderá ser preservado efetivamente quando o poder público e a sociedade civil assumirem como diretriz a premissa de que a cultura é uma dimensão do social e não o inverso, orientando as políticas de planejamento territorial no sentido de fazer da cidade um bem Aliás, de maneira geral, pouco da cidade foi reconhecido para preservação: o conjunto das três escolas (de 1894), tombado em 2002 ; a sede da Fazenda Tenente Carrito (do início do século XIX), tombado em 1982 (hoje inexistente); e o recém tombamento da antiga Casa de Câmara e Cadeia (de 1830), em 2018 , todos pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT) órgão estadual de proteção do patrimônio. Por outro lado, é importante salientar que representantes desse patrimônio em esquecimento não se constituem como vítimas passivas do processo atual e vêm se organizando em variados movimentos, associações e redes, uma insurgente e recente manifestação dos próprios ex-trabalhador da ferroviária na organização e mobilização desses espaços e na luta para a continuidade de um passado contínuo. A maioria dos museus e organizações na cidade, que estudam ou contribuem para a preservação da memória ferroviária, não possuem reconhecimento das instituições municipais, sendo administrados de forma independente e com caráter voluntário, com ínfima parceria privada e sem apoio institucional.

A situação atual da ferrovia na cidade necessita de atenção, pois os bens remanescentes estão se perdendo a cada dia, por diversos fatores, diretos e indiretos, abrindo o questionamento sobre até quando esses bens continuarão sem proteção ou gestão que os coloquem como elementos importantes na memória local.

Como escreve o professor Elliot Eisner [...] a ignorância acerca do passado não é necessariamente virtude, da mesma maneira que o conhecimento do passado não é garantia de que erros não serão repetidos, mas tal conhecimento fornece ao indivíduo os indispensáveis pontos de referência para analisar o presente e projetar o futuro. Assim, este trabalho inicia um importante passo para a salvaguarda e contribuição da memória ferroviária itapetiningana. Ainda há muito a ser analisado, pesquisado e feito, sendo clara a sobreposição de problemas que se inserem em outros âmbitos da ferrovia, bem como a compreensão sobre o seu legado inclusive com o próprio desenho da política para o remanescente existente.

Igor Matheus Santana Chaves

Arquiteto e Urbanista

Doutorando em Planejamento e Gestão do Território - UFABC

Pesquisador Associado - MacroAmb (FAPESP 2015/03804-9

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