Crise! Ameaça ou oportunidade?
Conass
A crise econômica, política e fiscal que o país vive afeta o SUS e ameaça a sua existência. O que pode ser feito para evitar um colapso do sistema de saúde brasileiro?
A crise vivida pelo país atinge a população não só nos aspectos financeiros e políticos, mas também ameaça a maior conquista por ela já adquirida: o Sistema Único de Saúde (SUS) que, mais uma vez, vive um momento perigoso. Talvez até mesmo o mais difícil no alto dos seus 27 anos. O subfinanciamento, sempre presente ao longo de sua existência, tornou-se ainda pior diante do corte orçamentário sofrido pelo Ministério da Saúde.
Não bastasse o financiamento cada vez mais escasso, há ainda uma série de medidas procedentes do próprio Congresso Nacional que colocam o SUS em risco, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n. 451/2014 que altera o artigo 7º da Constituição Federal ao incluir, como garantia fundamental, plano de assistência à saúde, oferecido pelo empregador em decorrência de vínculo empregatício, na utilização dos serviços de assistência médica, e a Emenda Constitucional (EC) n. 86 com as emendas individuais destinadas a ações e serviços públicos de saúde.
Diante da gravidade do quadro, a Revista Consensus foi atrás de respostas sobre o que significa essa crise fiscal, econômica e política para o SUS. Será possível reverter essa situação? A quem compete resolvê-la? Por que a sociedade não toma para si a defesa do SUS?
Ao longo desta matéria, a opinião de parlamentares, profissionais da área da saúde e pensadores sobre o momento atual e o futuro do sistema de saúde brasileiro, como a do professor Eugênio Vilaça Mendes. Ele acredita que o SUS vive hoje a maior crise de sua história, porque existe profundo desajuste nacional decorrente de uma crise econômica que gera crescimento negativo do produto interno bruto (PIB), determinando uma crise fiscal que atinge, ao mesmo tempo, a União, os estados e os municípios e que leva ao aumento do desemprego e à queda da renda média do trabalho.
Quanto à crise política, na opinião do professor, ela expressa de forma aguda o esfacelamento dos processos de representação política. “Isso dificulta a formulação e aplicação de uma agenda mínima sobre o futuro de nossa nação”, esclareceu.
Vilaça disse ainda que a queda da arrecadação dos entes federativos repercute no SUS por meio do aguçamento do seu subfinanciamento. O professor observou, no entanto, que é necessário reconhecer que o Brasil não gasta pouco em saúde, mas que os gastos públicos em saúde são indecentemente baixos para um país com o nível de desenvolvimento como o Brasil e com o estágio de maturidade que alcançou o sistema público de saúde brasileiro.
Para a diretora executiva do Centro de Estudos Brasileiros em Saúde (Cebes), conselheira do Conselho Nacional de Saúde e coordenadora geral da Associacion Latino Americana de Medicina Social y Salud Coletiva (Alames), Ana Maria Costa, é importante ressaltar que “a crise maior por que o Brasil está passando e que se agravará muito mais é a crise social decorrente da política econômica atual que gera desemprego, acirra desigualdades e resulta em piores condições de saúde e de assistência médico sanitária”.
Segundo ela, as políticas econômicas e sociais que vinham sendo praticadas desagradavam setores da sociedade que nunca se interessaram ou se comprometeram com o bem-estar da população. “Em parte foi por isso que amplificaram a crise econômica, fazendo alarde de que o país precisava de política econômica austera que rifa a população nos moldes e interesses clássicos liberais”, afirmou.
Costa comparou o crescimento de outros países com o Brasil, afirmou que o país não estava mal no cenário mundial em termos de crescimento de PIB e citou dados (Brasil -0,6%; EUA -3,2%; Japão -7,1%; Chile -1,4% e Reino Unido -3,8%) que, segundo ela, revelam também que a crise foi, em grande medida, ideologicamente construída pela grande mídia e pelos setores conservadores. “Para a população, a verdadeira crise é a social que está sendo provocada pelos cortes nas políticas sociais e no gasto social em todos os níveis de governo: União, estados e municípios”, observou.
Ela acredita que o SUS deve estar preparado para novos desafios como o aumento de demanda pela saída expressiva da população dos seguros privados e deve buscar alternativas simultaneamente para superar a fragilidade imposta pelo maior baque no crônico subfinanciamento por que está passando.
Em conversa com o deputado federal Marcus Pestana (PSBD/MG), que já foi secretário de Estado da Saúde de Minas Gerais e presidente do CONASS, o parlamentar afirmou à Revista Consensus que o SUS vive a sua crise da maturidade. “As bases do SUS foram lançadas em 1988; portanto, são 27 anos em que houve a consolidação e a efetiva implantação do sistema, mas hoje vivemos uma equação explosiva com direitos amplos quase ilimitados, mas com recursos escassos e custos crescentes tanto pela revolução científica e incorporação tecnológica, que sempre encarece o sistema, tanto pela transição demográfica, já que felizmente as pessoas estão vivendo mais”, argumentou.
Pestana mencionou, ainda, o artigo escrito por ele no qual faz uma projeção dos gastos com saúde no Brasil. De acordo com o deputado, dados recentes mostram que os planos de saúde, que cobrem 25% da população, têm 50% mais recursos que o SUS, que assiste 100% dessa população. “Hoje, Portugal, que não é um país tão rico, investe em um sistema como o SUS US$1.500 por habitante/ano, enquanto nós investimos US$300, ou seja, precisaríamos quintuplicar esse valor para alcançarmos um mínimo de qualidade”, disse.
Já para Eugênio Vilaça, a situação fiscal vigente consagra a falência definitiva do modelo de federalismo sanitário que vem sendo praticado desde a instituição do SUS e que deve ser repensado radicalmente no contexto dessa crise. “O Brasil real pouco tem a ver com normativa federal produzida de forma exagerada nos gabinetes do Ministério da Saúde. O novo federalismo há de redistribuir competências e receitas fiscais da União, estados e municípios e há de focar seu esforço de governança em entes interfederativos situados nas regiões de saúde em que se implantarão as redes de atenção à saúde”, afirmou.
Ainda sobre a questão fiscal, Vilaça explicou que ela tem duas implicações no SUS, ao reforçar um movimento de ampliação do subfinanciamento que já vinha acontecendo (a não aprovação do Projeto de Lei de iniciativa popular Saúde + 10, a EC n. 86 e os cortes orçamentários devidos ao processo de ajuste do setor público), tornando inviável, no curto prazo, o incremento dos recursos federais e tendo impacto negativo nos gastos estaduais e municipais.
Cauteloso, o professor Vilaça, assim como Ana Maria Costa, alertou. “O aumento do desemprego e a queda da renda média do trabalhador tendem a aumentar o número de pessoas que utilizam exclusivamente o SUS para as ações de assistência médica, ou seja, enquanto perdurar a crise, haverá mais pessoas dependendo exclusivamente do SUS e, ao mesmo tempo, nosso sistema público terá ainda menos recursos para atendê-las, aprofundando o seu subfinanciamento”.
Outro parlamentar ouvido pela Revista Consensus foi o deputado federal Osmar Terra (PMDB/RS). Ex-presidente do CONASS entre os anos de 2007 e 2009, o ex-secretário de Estado da Saúde do Rio Grande do Sul, afirmou que o Brasil vive por causa dos desmandos do governo a sua pior situação, em todos os níveis, dos últimos 50 anos.
Para ele, decisões arbitrárias, tomadas sem embasamento no mundo real e com objetivos unicamente de vésperas de eleição, levaram o país a uma crise sem precedentes. “Essa é uma crise em que há redução do orçamento do Ministério da Saúde, que é para nós é uma peça-chave no processo social do país, mas onde há também redução em todos os níveis de governo. Há um emagrecimento das finanças não só do governo federal, como dos governos estaduais e dos governos municipais”, alertou.
Terra destacou o fato de que a situação obriga os municípios a demitirem, a pararem obras, a não ativarem serviços como as Unidade de Pronto Atendimento (Upas) etc. “Essa crise coloca em xeque o SUS e mostra que com o corte de R$ 15 bilhões que o Governo fez no orçamento da saúde, com a incorporação das emendas individuais dos deputados como parte do orçamento e que servem apenas para diminuir o valor que o Governo tem colocado no orçamento da saúde, o sistema está entrando em colapso”.
O deputado afirma que a solução consiste na priorização da saúde pelo governo federal com a aplicação de mais recursos. Em relação à possibilidade da volta da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), Terra foi categórico. “Discutir CPMF como forma de cobrir rombo da previdência não tem sentido, mas se for para colocá-la como um recurso a mais em valores significativos na saúde, pode-se pensar em discutir”.
Pestana vai de encontro ao pensamento de Terra e reitera a necessidade de que o governo priorize o setor. “Sempre falei que havia um paradoxo, pois todas as pesquisas de opinião, inclusive a última pesquisa Datafolha, encomendada pelo Conselho Federal de Medicina em agosto, confirmam que a saúde é a prioridade número 1 para a maioria dos brasileiros, mas, na hora que esse assunto é pautado nos centros de decisão, a opinião da sociedade não é observada. Esse é o desafio”, assegurou ele para em seguida advertir: “a crise no SUS não é um apagão como existe em alguns setores. É uma morte lenta e gradual”.
Waldemir Moka, senador pelo PMDB/MS, advertiu que a situação tende a piorar, pois o governo federal terá de fazer cortes no orçamento de 2016 que certamente atingirão a saúde. De acordo com o senador, o setor já é subfinanciado, já que apenas estados e municípios têm obrigação constitucional de investir o mínimo na área, de 12% e 15%, respectivamente, sendo a União livre dessa obrigação, o que, segundo ele, faz que a saúde sofra mais ainda.
Moka lembrou que o Senado teve duas grandes chances para exigir que a União investisse ao menos 10% de sua Receita Corrente Bruta na saúde, com o Projeto de Lei de Iniciativa Popular Saúde +10, mas não o fez porque a maioria dos senadores foi contra. “O projeto teve meu voto a favor, porque sempre lutei para que todas as esferas de governo tivessem essa obrigação constitucional, mas, infelizmente, as propostas não passaram”, lamentou.
Odorico Monteiro, deputado federal pelo PT/CE, afirmou que o impacto da crise está de forma sistêmica no SUS, porque o bolo de recursos do financiamento federal da saúde a partir da EC n. 86 é calculado a partir da Receita Corrente Líquida da União e, ao cair a receita da União, quando na crise econômica, automaticamente o valor de arrecadação do bolo geral de recursos para a saúde também cai. Por outro lado o conjunto de serviços que estavam credenciados a receber os recursos não podem fechar. “Uma coisa é você ter uma crise e deixar de construir uma estrada, por exemplo. Mas quando há 500 pessoas fazendo um tratamento de câncer, não é possível interromper o tratamento e fazê-las esperar. Nós estamos trabalhando com vidas, com aquilo que é mais sagrado para as pessoas que é a possibilidade de adoecer e não morrer porque a cura pode ser dada a partir de um tratamento”, enfatizou.
Segundo o parlamentar, a crise vivida pelo país institui o desafio de se criar proteção à vida das pessoas. Ele também chamou a atenção para os investimentos em saúde feitos pelos estados, pelos municípios e pela União nos últimos anos. “A União sempre trabalha com o piso constitucional do financiamento da saúde como teto, mas os estados e os municípios já ultrapassaram o seu piso. O piso dos estados é de 12%, e a maior parte já está gastando mais de 15%. O piso dos municípios é 15%, e eles estão gastando entre 20% e 25%, então há um estrangulamento de financiamento na base do sistema”, observou o deputado.
A relatora da Comissão Especial destinada a proferir parecer à PEC 01-A/2015, que dispõe sobre o valor mínimo a ser aplicado anualmente pela União em ações e serviços públicos de saúde, a deputada federal Carmem Zanotto (PPS/SC), enfatizou a gravidade do momento que o SUS vive. “Estamos em uma situação muito grave e todos nós defensores do sistema e atores que durante todos esses 27 anos e antes da Constituição já defendíamos esse sistema público de saúde precisamos estar unidos para garantir os recursos necessários para a manutenção do SUS conforme ele foi desenhado na nossa Constituição Federal de 1988.”
Para a deputada, neste momento, a solução mais viável é a aprovação da PEC, uma vez que a EC n. 86 deu nova base de cálculo para as ações e os serviços de saúde e prejudicou muito o SUS no que diz respeito ao seu orçamento.
Zanotto ressaltou que é preciso unidade de todos para aprovação. “Hoje nós só estamos em espaços diferentes, mas todos esses atores do SUS entendem e defendem que a gente precisa avançar e, para isso, é preciso sim, melhorar a gestão, mas não é possível fazer gestão sem os recursos financeiros adequados”, disse a parlamentar que já foi secretária de Estado da Saúde de Santa Catarina.
A relatora disse ainda que, apesar da preocupação com a crise econômica que o país atravessa e a necessidade do ajuste fiscal, ainda assim a população entende que a saúde não pode esperar. Segundo ela, há um conjunto grande de parlamentares empenhados com a causa da saúde, que entendem ser preciso assegurar o mínimo de recursos necessários para a saúde e que estão cientes de que o caminho para isso é a aprovação da PEC n. 01/2015.
Com a visão de quem é gestor municipal, o secretário municipal de Saúde de São Lourenço/MG e presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Mauro Junqueira, destacou que a situação do país tem trazido inquietação a todos gestores públicos de saúde ante as suas responsabilidades para com a população.
De acordo com ele, o subfinanciamento histórico do SUS foi agravado nos últimos tempos e o cenário não se atenua com as projeções de recursos previstos para o ano de 2016, e, com a gravidade da crise econômica, fica evidente o esgotamento da capacidade de alocação de mais recursos municipais da saúde. “A estimativa de insuficiência desses recursos para 2016 é na ordem de R$ 16,8 bilhões. Fatalmente essa retração de investimentos reduzirá ou interromperá serviços significando sempre a desassistência com reflexos desastrosos sobre a saúde das pessoas”, protestou.
Ana Maria Costa também fez um alerta e afirmou que o que está em risco é a acumulação de bem-estar adquirido dos últimos anos. “São vidas humanas que estão em jogo diante da ganância por lucro do capital rentista. O pior de tudo é ver o poder público e os governos eleitos, para preservar os interesses coletivos e públicos, retroceder e ajoelhar-se diante destes grupos, aceitando ser parceiros nos retrocessos em relação as políticas sociais”.
Para a presidente do Conselho Nacional de Saúde, Maria do Socorro de Souza, a piora no quadro do subfinanciamento histórico do SUS está no fato de que os baixos valores alocados no orçamento federal, para atender a aplicação mínima constitucional, não são mais suficientes para cobrir as despesas compromissadas com estados e municípios. “Isso para manter padrões que já não garantiam plenamente o direito constitucional à saúde. Uma parte das despesas de 2014 (R$ 3,8 bilhões) foram garantidas com recursos do orçamento de 2015 e esta mesma situação se repetirá de 2015 para 2016 (R$ 5,9 bilhões) e de 2016 para 2017 (R$ 16,6 bilhões). A consequência será a deterioração da qualidade do atendimento”, advertiu.
Socorro falou sobre as possibilidades que o SUS tem de superar a crise citou exemplos como a definição de fontes crescentes de financiamento para superar o subfinanciamento do SUS, a melhoria no planejamento das ações e serviços e maior controle e transparência do gasto público. “Reconhecemos as mudanças demográficas, ambientais, epidemiológicas porque passam a população brasileira e o país. Estamos envelhecendo mais e estamos mais expostos a riscos e agravos decorrentes desta nova ordem social da vida moderna. Novas epidemias, doenças raras, violência social, desequilíbrios ambientais, tudo isto exige da saúde maior acesso e melhor qualidade no atendimento”, disse.
Ameaça ao SUS
Diante do quadro de crise, não se coloca em risco o princípio de universalidade do SUS?
“Eu não acredito que devamos mexer na universalidade, isso é retroceder. Há uma frase do líder da reforma sanitária inglesa, na década de 1920, que diz que um sistema segmentado só para pobres vai ser sempre um sistema pobre, então não é questão de quebrar a universalidade, mas uma possibilidade que vejo é avançar na discussão do padrão de integralidade para coibir a judicialização e colocar certos limites”, afirmou o deputado Marcus Pestana.
Ele citou também o exemplo da Espanha que, a cada dois anos, tem um decreto real dizendo o que o sistema irá oferecer. Para Pestana, é necessário amadurecer essa discussão para fugir do impasse. Ele observou, no entanto, que este é um desafio não só do gestor de saúde, mas também de todos os líderes políticos e das lideranças da sociedade e acredita que só há três saídas. “Ou revemos os marcos constitucionais, ou discutimos com a sociedade um financiamento adequado e decente – o que é muito difícil em um momento de crise –, ou, por fim, a pior alternativa que é a que está em curso: fingir que o problema não existe e que vai se resolver por geração espontânea. E isso não vai acontecer”, alertou.
O professor Eugênio Vilaça Mendes observou que, no calor de uma crise como a que estamos vivenciando, é perigoso formular diagnósticos equivocados e afirmou ser necessário entender que a proposta dos sistemas públicos universais não implica oferecer tudo a todos. “Ao contrário, o universalismo propõe-se a oferecer uma carteira de serviços necessários, dos pontos de vista médico e sanitário, e baseados em evidências científicas, como direitos de todos e como dever do Estado. Mas há que se reconhecer que isso se distancia de propostas que pretendem ofertar uma carteira básica de serviços, mais ou menos essenciais, focalizados nas populações mais pobres.”
Segundo Vilaça essas propostas tendem a aprofundar a segmentação dos sistemas de saúde que está associada, em evidências produzidas internacionalmente, com resultados que levam a menor efetividade, eficiência e equidade.
Outra questão essencial mencionada por ele diz respeito à indefinição no formato da organização macroeconômica de sistema de saúde brasileiro. “Nossos constituintes optaram, em uma constituição que reconheceu a saúde como direito, por um sistema público universal de tipo beveridgeano. Faltou-lhes criar a uma base material que sustentasse, no plano econômico, essa proposta generosa”, ressaltou.
A saída para a crise vivida pelo sistema de saúde brasileiro, na opinião do professor, não deve questionar a sua natureza pública tal como está constitucionalmente estabelecido. “Que sistema de saúde os brasileiros desejam e quanto estão dispostos a pagar por ele? É preciso ter claro que cada pessoa que deixa o SUS implica um gasto de 2,5 vezes maior no sistema de saúde suplementar. Como não há almoço de graça quem paga essa conta?”, provocou para em seguida completar que não existe saída dessa crise fazendo somente mais do mesmo. “É preciso inovar para construir um sistema público de saúde que seja efetivo, eficiente, de qualidade, equitativo e sustentável. Inovar é a oportunidade que a crise nos oferece.”
Ana Maria Costa, diretora executiva do Cebes, disse estar alerta a discursos que questionam a universalidade.
Costa afirma não achar pertinente esse debate no meio da crise infligida. Segundo ela essa iniciativa serve aos que querem destruir o SUS e as conquistas consolidadas da municipalização. “Hoje temos um sistema imperfeito, porém com resultados efetivos e com um longo caminho percorrido. É um pouco tarde para desmontar a rede municipal que se consolidou na saúde. Agora é urgente estabelecer a regionalização cooperativa e solidária. Esse é um debate pertinente incluindo a institucionalidade requerida para estas instâncias pendentes da gestão do SUS”.
Assim como os demais, o deputado federal Osmar Terra (PMDB/RS), acredita que a solução não é mudar o modelo daquela que ele considera como a maior conquista que a sociedade brasileira teve na história recente do país. “Essa é uma conquista única maior que qualquer Bolsa Família ou que qualquer outro benefício que a população possa ter recebido nos últimos cem anos, eu diria.”
Já para o deputado Odorico Monteiro, é preciso esclarecer que o princípio da universalidade, criado pelo artigo 196 da Constituição Federal, é um dos mais avançados das constituições do mundo e do ponto de vista da saúde configura-se como avanço importante, pois está inserido no capítulo da seguridade social em que os determinantes e os condicionantes da saúde estão claramente colocados como aquilo que o Estado tem de garantir de políticas sociais e econômicas.
De acordo com ele, o caminho não é alterar o princípio da universalidade. “Nós criamos a universalidade, mas não regulamentamos a integralidade e a equidade. A universalidade diz que todos têm direito ao acesso ao sistema, a integralidade vai definir o que todos têm direito e a equidade vai dizer a forma de tratar os desiguais, ou seja, como é que se faz dentro do sistema a justiça social. Então essa é a dívida que temos”, assumiu.
Outro ponto importante a ser debatido, ainda na opinião do parlamentar, diz respeito ao desenho Interfederativo, uma vez que o Brasil é o único sistema universal do mundo que tem a descentralização política administrativa financeira para os municípios, comprometendo a integralidade.
Na tentativa de resolver essa questão, Monteiro apresentou o Projeto de Lei (PL) n. 1645 que cria, por lei, as regiões de saúde, o contrato organizativo de ação pública e a gestão solidária do SUS por meio de um contrato que deve ser assinado pela União, pelos estados e pelos municípios, bem como o PL n. 1646/2015, que cria um plano decenal da saúde. “Essas duas alternativas são importantes para o aprimoramento da gestão do SUS de forma sistêmica e solidária na relação interfederativa”, concluiu.
Para o senador Waldemir Moka, o modelo universal de atendimento à população escolhido pelo Brasil é o melhor para um país em que grande parte das pessoas não tem condições de pagar por planos particulares. O senador afirmou ter dúvidas se a mudança do modelo melhoraria a situação. “Além do mais, saúde é preceito constitucional e o Estado deve prover o cidadão com esse serviço. O que tenho defendido há década são mais recursos para financiar o setor”.
Moka disse que há que se considerar sim que há problemas de gestão, mas afirmou que o principal problema é o aporte insuficiente de recursos, e comparou o Brasil a alguns países da América do Sul. Segundo o senador, em relação à aplicação per capita em saúde, o Brasil está atrás do Uruguai e do Chile. “No mundo, estamos em 42º lugar, o que revela desproporção em relação ao papel que o país ocupa na economia mundial. É preciso ter mais dinheiro para construção de hospitais, abertura de novos leitos, criação de uma carreira forte da área médica e, sobretudo, investimento em áreas vitais para a saúde das pessoas, como saneamento”, finalizou.
O presidente do Conasems, Mauro Junqueira, declarou que a adoção do princípio da universalidade representou grande conquista democrática que transformou a saúde em direito de todos e dever do Estado e apesar de todos os problemas e da insuficiência de recursos seria um retrocesso pensar em não mais atender a esse princípio. “Os gestores municipais de saúde defendem a sobrevivência desse sistema que atende toda a população brasileira em um total de mais de 200 milhões de pessoas. O SUS promove uma profunda inclusão social. É um direito social consagrado na Constituição.”
Na opinião da presidente do Conselho Nacional de Saúde, mudar o modelo do SUS, que oferece tudo a todos, não está na pauta da sociedade brasileira. Ela cita o documento orientador da 15ª Conferência Nacional de Saúde em que está explícita a defesa da saúde pública e de qualidade como direito universal, política pública, mas também como setor que propicia o desenvolvimento social e econômico. “Saúde se faz com ciência e recursos tecnológicos, e este é importante para o fortalecimento do SUS e para o desenvolvimento do setor produtivo nacional. Entretanto, o que o Brasil necessita fazer não é reduzir ou negar direitos conquistados, mas investir mais em saúde pública”, declarou.
A presidente alegou no entanto ser necessário a disposição política para debater a mudança quanto ao modelo de atenção à saúde no país, ainda focado na assistência médico hospitalar. Lógica a qual classificou como perversa e que demanda altos custos para o SUS.
De acordo com Socorro muitos gastos na saúde pública são feitos sob a ótica de que saúde de qualidade se assemelha à lógica do acesso e consumo de serviços e insumos inovadores. “A oferta de serviços baseada neste modelo retroalimenta os interesses econômicos e políticos do setor. A valorização das práticas integrativas e complementares deve ser ampliada e reconhecida como potencial de mudança do modelo médico hospitalar”, finalizou.
A importância da sociedade para o SUS
E o que dizer quando, mesmo diante de uma ameaça tão real ao sistema, ainda assim a sociedade não se mobiliza em sua defesa? Para a psicóloga Mariana Uchôa, o comportamento da população de não defender o SUS parte do princípio de que essa população, principalmente a mais carente e que está mais às margens da sociedade, não tem o conhecimento do que de fato é o sistema.
Há três anos atuando como Coordenadora de Educação no Afroreggae, uma Organização não Governamental que atua em áreas pobres, violentas e muitas vezes comandadas pelo tráfico de drogas, no Rio de Janeiro, a psicóloga acredita que por não ter entendimento sobre o sistema de saúde, a tendência da população é normalmente agredir. “Estamos falando de uma população que, em grande maioria, vivencia situações de muita violência. Logo, existe essa tendência em imediatamente agredir e ser violentos com tudo aquilo que não os agrada”, disse.
Para ela quando algum serviço de saúde oferece um serviço que não é totalmente satisfatório o primeiro movimento das pessoas é reclamar, depredar, querer que feche, quando o correto seria defendê-lo para que ele melhore.
Uchôa citou o exemplo de algumas unidades de saúde que, por vezes, ficam desativadas por serem depredadas pela população por conta dos serviços de qualidade ruim que algumas vezes são prestados, mas ressaltou que esta não é uma característica relacionada apenas ao SUS. “Vale destacar que esta não é uma característica apenas do SUS, mas das políticas públicas como um todo. Nós vemos esse movimento também em relação às escolas, aos Centros de Referência de Assistência Social (CRA) etc.”
Além disso, a psicóloga também mencionou que está no imaginário da sociedade que os serviços prestados pelo SUS são um tipo de favor por parte do Governo e, por isso, são para pobres e não há problema se são serviços ruins por vezes mais precarizados, com estrutura deficiente. “A população pensa ser um favor individual e não uma garantia de direito por parte do Estado. A consciência política do brasileiro é baixa e isso é uma característica da nossa cultura, de não reivindicar pelos seus direitos e pela melhoria das políticas públicas”, completou.
Pensamento parecido tem a diretora executiva do Cebes, Ana Maria Costa. Para ela, conquistamos o direito à saúde na Constituição, mas não conquistamos consciência de cidadania na população. “O povo sai dos planos de saúde para o SUS com a cabeça baixa, como se estivesse perdendo. Um grande desafio que se impõe aos que defendem o sistema universal e a saúde como direito é contribuir na construção de outro valor para a saúde junto à população, principalmente nesse momento de crise”, observou.
Costa disse estar certa de que os cortes orçamentários nas políticas sociais ocorrem porque a reação popular esperada hoje é muito pequena. “Não há revolta nem indignação, pois estas políticas não se configuram como direito conquistado para a população. Prevalece sempre o sentimento que é coisa para pobre”, lamentou a diretora executiva do Cebes.
O CONASS entende ser fundamental fortalecer a consciência cidadã de que o SUS é um direito social adquirido, capaz de reduzir as desigualdades sociais do país, construindo uma sociedade mais justa. Daí a importância da participação política da sociedade na defesa permanente desse sistema que atende a todos de forma universal, equânime e integral.
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